Francesco D'Isa publicou esse texto, originalmente, no seu Instagram 🔗 na forma de várias imagens. Traduzi suas palavras para o português com a devida autorização. Também acrescento minha opinião ao final do post. Então, vamos lá!
Por que muitas objeções contra IA no campo criativo estão erradas
Não é porque não há problemas, mas elas não compreendem a questão. É um tópico sobre o qual já escrevi a respeito extensivamente, porém quero oferecer um resumo aqui na esperança de que seja útil. É necessariamente apodítico e superficial: para uma discussão mais profunda, sugeri alguns autores e, para aqueles interessados, escrevi dúzias de artigos e um livro sobre esse tema.
1. "IA é roubo"
O verdadeiro roubo ocorre no atual sistema de copyright, construído para enriquecer editoras e não artistas. Reforçado por interesses corporativos, como a Disney, ele restringe tanto o acesso ao conhecimento que a pesquisa costuma depender da pirataria (Lessig; Boyle; Doctorow).
A criatividade sempre foi derivativa: todo artista retrabalha o passado. IAs "copiam" não mais do que Mozart ou Picasso o fizeram. Arte é, e sempre será, um remix (Ferguson; Manovich). Copyright deveria simplesmente garantir compensação justa para aqueles que enriquecem o conhecimento coletivo.
2. "Não existe autoria com IA"
A ideia de autoria como um ato individual ou original é moderna: o autor é uma função histórica, não ontológica (Condorcet; Barthes; Foucault). A criatividade é distribuída, moldada pelas pessoas, ferramentas e comunidades (Latour; Ingold; Gell; Glăveanu). O mito do "gênio" ignora como o privilégio afeta quem pode criar e ser reconhecido (Nochlin). Ferramentas sempre co-moldaram a arte; com IA não é diferente. Dizer que só precisa de "um prompt" é como dizer que a fotografia é "só um clique" — um sinal de falta de compreensão do meio.
3. "IA polui"
Verdade — A poluição da IA é real, contudo temos "dois pesos, duas medidas" em abundância. Todos os hábitos digitais (streaming, jogos, viagens) normalmente consomem muito mais energia do que a geração de uma imagem com IA. Um único voo num feriado pode emitir tanto quanto uma vida inteira de um uso profissional de IA.
O verdadeiro problema é quem controla a infraestrutura e energia (Crawford; Pasquinelli). Culpar os usuários apenas desvia a atenção daqueles que estão no poder. O objetivo deveria ser uma política energética mais justa e acesso equitativo à computação (Kleiner).
4. "IA só produz lixo"
IA produz bastante conteúdo medíocre — mas também o fizeram todas as eras artísticas. A maior parte da arte humana é ordinária; obras-primas são raras (Manovich; Arielli; Puliafito). Das cópias romanas às pinturas de salão, da fotografia aos meios impressos e digitais. Cada inovação multiplicou a mediocridade. O Kitsch foi concebido no século XIX para arte produzida em massa; nada novo. Cada revolução traz seu próprio "mal gosto", do qual novas formas podem emergir.
5. "Se você não usa suas mãos, não é arte"
Se a arte exigisse trabalho manual, estaríamos excluindo a fotografia, música eletrônica, cinema e arquitetura. Arte é um ato intencional moldado por suas ferramentas, os meios nunca são neutros (McLuhan, Flusser). IA, como qualquer instrumento, tem sua própria agência: ela resiste, dirige e demanda habilidade, estratégia e consciência crítica (Floridi). Assim como a fotografia, produzir algo é fácil — criar algo interessante não é.
6. "IAs foram feitas por capitalistas"
Verdade — IAs são um produto do capitalismo, mas nem tudo criado dentro desse sistema é nocivo. Telefones, computadores, medicina e arte moderna compartilham da mesma origem. O objetivo não é rejeição, mas democratização: modelos de código aberto, datasets transparentes, acesso público a GPUs e licenciamento cooperativo (Srnicek; Kleiner; D'Isa). Apenas assim, a IA pode se tornar um bem comum e não um monopólio.
7. "IAs estão roubando meu emprego"
Eu não confiaria em um empregador que alega demitir você por causa de IA — é uma maneira conveniente de fugir da responsabilidade. Se uma tecnologia melhora e acelera o trabalho, seus benefícios deveriam ser compartilhados por todos e não acumulados por uns poucos. Talvez o problema não seja a tecnologia em si, mas o contexto social em que ela é empregada — e culpar o primeiro desvia a atenção do último.
8. "Sim, mas temos problemas — O que você sugere?"
Ao invés de buscar reformas de direitos autorais que enriqueceriam apenas uns poucos ou exigir banimentos irrealistas de uso, deveríamos lutar pela obrigatoriedade — ou pelo menos fortemente incentivadas — de iniciativas de código aberto para tornar as ferramentas transparentes e modificáveis; por computação em nuvem pública para garantir acessibilidade; e para que taxas às big tech sejam redirecionadas para os trabalhadores mais afetados pela automação, começando com aqueles mais vulneráveis.
Francesco D'Isa 🔗 (8 de novembro de 2025)
Minha Opinião
Concordo em grande parte com as palavras de Francesco. Outras fontes também confirmam que IA não é tão ruim assim para o meio ambiente 🔗, assim como a ideia de substituir a força de trabalho por IA não tem apresentado bons resultados 🔗, pois as ferramentas de IA representam baixo impacto nos resultados e até mesmo podem ter impacto negativo na produtividade 🔗.
E por concordar com sua perspectiva de futuro é que também lancei todos os meus modelos de IA de forma livre (open weights) no meu huggingface 🔗. Eu gostaria muito de ver, também, estudos que pudessem relacionar o uso de IA na "semana de 4 dias úteis" ou em conjunto com iniciativas de Renda Básica Universal.
Quanto à proposta de computação em nuvem pública, achei interessante, mas difícil de imaginar na prática, considerando a escassez de chips especializados para IA e uma indústria concentrada principalmente nos EUA e com embargos de vendas para outros países. Um investimento em hardware e no desenvolvimento de chips especializados deveria vir antes da oferta de um serviço público.
Ainda temos muito para aprender sobre o tema e construir juntos o melhor futuro para nós todos. O que você sugere? Devemos pôr mais recursos e esforços na democratização da IA? Ou você vê o caminho da centralização como inevitável? O que vem a seguir?
